A Lavagem do Bonfim, realizada anualmente em Salvador, é uma das maiores festas de rua da cidade. Em 2025, a celebração chega à sua 280ª edição, mantendo uma tradição que começou no século 18. A festa, marcada pela devoção ao Senhor do Bonfim, é um dos maiores exemplos do sincretismo religioso, unindo elementos do catolicismo e do candomblé.
A origem da devoção ao Senhor do Bonfim remonta a uma promessa feita pelo capitão português Teodósio Rodrigues de Faria, um negociante de tabaco e escravos nascido em Setúbal, Portugal. Durante uma viagem, Faria enfrentou um grande temporal e, em agradecimento por sobreviver, prometeu construir uma igreja dedicada ao Senhor do Bonfim em Salvador. Em 1745, Faria mandou buscar uma imagem do santo em sua cidade natal. A imagem, feita de cedro e com 1,10 metros de altura, chegou a Salvador no dia 18 de abril, juntamente com a imagem de Nossa Senhora da Guia, sendo entronizadas na capela que o capitão ajudou a construir.
Em 1746, a capela foi ampliada e transformada em igreja, fortalecendo a devoção ao Senhor do Bonfim, com milagres atribuídos ao santo. Começou então a tradição das missas de sexta-feira e da lavagem do templo pelos escravos nas quintas-feiras. O primeiro registro oficial da Lavagem do Bonfim ocorreu em 1804, quando fiéis ajudaram a lavar a igreja.
Com o tempo, surgiram controvérsias entre os padres católicos, que viam os rituais como excessivos e semelhantes a um terreiro de candomblé. Após a abolição da escravatura, a lavagem deixou de ser vista como uma obrigação de trabalho pelos negros, passando a ser uma obrigação religiosa.
O sincretismo religioso da festa tem raízes na cultura negra, com a lenda de Oxalá, que, disfarçado de mendigo, foi preso e maltratado pelos guerreiros de seu filho Xangô. Após ser reconhecido, Oxalá foi libertado, e suas águas de purificação são simbólicas da lavagem que ocorre nas escadarias da Igreja do Bonfim.
A festa, fortalecida pela fé do povo, combina elementos sagrados realizados dentro da igreja com manifestações populares do lado de fora, incluindo rituais jeje nagô, samba de roda, capoeira e cantigas de candomblé. O objetivo é um só: glorificar o Senhor do Bonfim.
A igreja como conhecemos hoje foi erguida em 1815, e a novena ao santo começou em 1803, com a novena solene iniciada em 1839. Em 1923, foi composto o clássico Hino do Senhor do Bonfim, que se tornou parte integral da celebração.
Outro símbolo importante da festa é a água de cheiro, feita a partir de uma infusão de flores misturadas com perfume de alfazema. Usada pelas baianas para lavar as escadarias da igreja, a água é também procurada pelos fiéis, que acreditam que ela retira as energias negativas do ano que passou.
A fitinha do Bonfim, criada em 1809 como "medida do Bonfim", é outro símbolo forte da festa. Originalmente do tamanho da imagem do Senhor do Bonfim em Setúbal, a fitinha hoje mede 45 centímetros, a distância entre a chaga do coração e da mão da imagem. Ao amarrar a fita, o fiel faz três pedidos, que se concretizam quando a fita se parte.
O culto ao Senhor do Bonfim também é marcado pelos milagres atribuídos a ele. A sala dos ex-votos, localizada à direita do altar, guarda objetos e bilhetes de agradecimento pelos milagres recebidos, além de partes do corpo humano feitas de cera, simbolizando as graças alcançadas.
O convite para visitar a sala dos milagres é um chamado para todos os que desejam celebrar a data: “Vinde e admirai as maravilhas do Senhor Jesus do Bonfim, tão visíveis sobre a terra”.
Do BNews